
DÍVIDA DE AMOR COM OS OUTROS
Alguns profissionais são
delicados com clientes, mas não são atenciosos com os filhos. Fazem um enorme
esforço para agradar desconhecidos, mas não se esforçam para elogiar suas
esposas. Suprem de bens seus familiares, mas os deixam famintos de afeto com
sua ausência e falta de gentileza.
Alguns intelectuais são
disciplinados nas suas pesquisas, mas não se dedicam a pesquisar os momentos
difíceis dos seus adolescentes. São profundos em seus artigos, mas
frequentemente dão respostas prontas para os conflitos dos seus filhos.
São pacientes na
elaboração de suas teses, mas se enervam e irritam diante do comportamento de
suas crianças. Querem resultados imediatos.
Estou finalizando este
livro nos Estados Unidos. Conheço muitas pessoas afetuosas e amáveis nesse
país. Apesar de não estarem em débito com sua empresa e com sua profissão,
percebo que têm altíssima dívida com as pessoas que mais amam.
Infelizmente esse é um
fenômeno mundial.
Alguns dizem que pautam
sua vida pela honestidade. Mas quem não mente algumas vezes? Quem não conta
meias-verdades?
Quem não se esquece do que
prometeu para si mesmo? Quantas vezes prometemos ser mais tolerantes com os que
nos rodeiam e ao primeiro sinal de frustração reagimos impulsivamente.
Na terra do
individualismo, o homem Jesus proclamava ideias que perturbavam a mente e
exaltavam a emoção: “ Ama o próximo como a ti mesmo” (
Mateus 22:39). Como será que amamos aqueles que tocamos
com as mãos, que vemos com os olhos, que dormem ao nosso lado, compartilham
conosco as refeições?
O amor encanta a vida, dá
suporte nas tempestades, traz conforto nas perdas. Sem amor, os ricos são
miseráveis; com amor, os miseráveis são abastados. Sem amor, os intelectuais
perdem o sentido existencial; com amor, os iletrados são aventureiros.
Se o amor for superficial,
as distâncias serão gritantes. Se não houver amor, a pessoa com quem dividimos
nossa cama torna-se uma estranha. Quem é capaz saldar suas dívidas com as
pessoas mais caras dizendo: “ Desculpe-me por não dar a atenção que
você merece”, “ Obrigado por existir e participar da minha vida”, “ Vou
procurar me corrigir para sermos mais felizes juntos”.
Aumentamos nossas dívidas
até quando tomamos um excesso de cuidados. Tive um paciente de bom nível
intelectual, mas que se preocupava obsessivamente com doenças. Quando se casou,
projetou sua insegurança na filha. Perdia o sono e a fome, não conseguia
trabalhar direito quando temia que a filha estivesse levemente doente. Uma
tosse o inquietava. Talvez esse comportamento reflita um cuidado amoroso, mas é
certamente destrutivo.
As crianças assimilam
facilmente os comportamentos obsessivos dos mais velhos e podem reproduzi-los
mais tarde, ao se tornarem adultos. É por isso que muitas vezes repetimos os
comportamentos que mais detestamos em nossos pais.
As crianças têm de sentir
a vida com suavidade, leveza e ingenuidade. Têm de brincar, correr certos
riscos, criar. Não se destrói a infância de uma criança apenas com maus-tratos,
mas também com superproteção. Até o excesso de atividades tem o poder de
bloquear a infância. Quem tem dívidas nessa área deve procurar saldá-las.
FONTE: LIVRO A SABEDORIA NOSSA DE CADA DIA
AUGUSTO CURY
EDITORA: SEXTANTE