
NÃO TE DEIXES COMER AOS PEDACINHOS!
É isso mesmo! O homem
moderno, pelo menos nas grandes cidades, está sendo comido, ou antes roído, aos
pedacinhos! São tantos os seus afazeres, tantas as suas idas e vindas, tantas
as visitas e reuniões a que tem de atender, tantos os telefonemas, tantas as
cartas a ler e a responder etc., etc., etc.
- que esse pobre homem, de
tanto correr, não tem tempo para viver.
E como poderia ser feliz
quem nunca viveu?
O homem moderno está sendo
roído aos pedacinhos! Se pelo menos fosse “devorado”
De uma só vez – menos mal!
– quer dizer, empolgado por grande
ideia, por um sublime ideal que o arrebatasse e no qual se pudesse ele “
perder “ totalmente – seria feliz. Mas não é isso
que lhe acontece. São mil e uma coisinhas pequeninas, inumeráveis grandes
nadas, sem ordem nem nexo, que o dissipam, esfacelam, sugam e roem como outras
tantas sevandijas, como pulgas, piolhos
e percevejos... O homem perdeu a sua unidade interna, o seu centro imóvel, e
gira estonteante por todas as periferias externas, pela imensa multiplicidade
das coisas ao redor dele...
E assim vai o homem
moderno, cidadão da civilização urbana, sendo consumido aos poucos, dia, ano a
ano, sem nada ter prestado de grande. De tantas coisas miúdas que tem de
comprar e vender a varejo, não chega a adquirir nada por atacado; o seu troco
miúdo de cada dia não lhe permite acumular um capital permanente – pobre vítima
do século da eletricidade e cidadão da Era Atômica!...
Que fazer?
Enquanto não te for
possível, pobre irmão, libertar-te desse “ sanguessuguismo” de cada dia, de cada hora e de cada minuto,
modificando radicalmente o teor de tua vida profissional: se não podes fazer o
que deves, deves pelo menos fazer o que podes: reservar uma hora, ou meia hora,
por dia, para estares contigo mesmo. Será que as 24 horas do dia e da noite
pertencem integralmente a estranho? Será que tens de receber todas as visitas
de fora, sem jamais teres trinta minutos de tempo para uma visita de dentro?
Será que todos os teus amigos, os pseudo-amigos, têm o direito de estar contigo
quanto tempo quiseres e dizer quantas banalidades quiserem, sem que tu tenhas o
direito de estar contigo durante alguns minutos?...
Assinaste com eles algum
compromisso nesse sentido?...
Eu te conheço, meu pobre
rico? Levantas-te, cada manhã, cansado, cheio de pensamentos dispersivos,
derramados em todas as direções – e deitas-te, exausto, cada noite, altas horas
ainda com um tropel de pensamentos dispersos por todas as latitudes e
longitudes do mundo externo... Ingeres à pressa as tuas refeições –
acompanhadas das competentes drogas e infalíveis comprimidos – e até o teu sono
é povoado dos sombrios fantasmas das mil e uma preocupações que te dilaceram a
vida cotidiana...
Algum dia, quando chegares
ao outro hemisfério da existência, algum habitante do além te perguntará: como
foi a tua vida lá em baixo? E tu, cheio de estranheza, responderás: Minha vida?
Nada sei disso, pois eu não vivi, trabalhei apenas à margem da vida...
Amigo! Roído aos
pedacinhos, 24 horas por dia, 365 dias por ano – e mais um dia no ano bissexto
– não achas que seria tempo, mesmo no último quartel da vida terrestre, de ergueres um silencioso santuário no meio
dessa barulhenta praça pública da tua atormentada existência? Uma convidativa
ermida onde te possas recolher quando sentires vontade de estar a sós contigo,
para leres algum livro, para pensares naquilo que és ou onde deve ser
esquecido, por algum tempo, aquilo que tens ou desejas ter?...
Sabes o que quero dizer?
Toda pessoa normal tem
essa necessidade de uma solidão sonora, de um deserto ameno, de um silêncio
fecundo, de uma querida vacuidade transbordante de plenitude – compreendes o
que querem dizer esses paradoxos cheios de verdade?...
Bem sei que certas pessoas
detestam estar consigo mesmas, meia hora que seja; estão
“ sobrando” em toda a parte; não sabem o que fazer de si,
desse horroroso vácuo do ego, desse hiante abismo da sua oca personalidade, e
por isso, como náufragos, se agarram a qualquer tábua de salvação para não se
afogarem no vasto oceano da sua nulidade... Canalizam para o interior de sua
casa parte do querido barulho das ruas e praças, por meio do rádio, da
televisão, dos jornais, ou por meio da visita de amigos conversadores...
Entretanto, como diz o
texto sacro, “ abyssus abyssum invocat” –
um abismo clama por outro abismo – quanto mais o homem sente o seu vácuo de
dentro, mais necessidade tem do barulho de fora...
Assim é o homem moderno,
quando moderno, quando profano – e, ainda por cima, ignora por que se sente tão
profundamente insatisfeito consigo mesmo – e com o resto da humanidade e do
mundo...
Ignoto amigo e irmão,
retorna sinceramente a ti mesmo, faze a maior descoberta da tua vida
encontrando o teu verdadeiro Eu! Procura estar contigo, e com mais ninguém,
pelo menos meia hora por dia! Concede à tua pobre alma esses poucos minutos de
audiência diária, de leitura edificante, de meditação, de
Cristo-conscientização – e verás que tua vida tomará rumo novo, e o fantasma
anônimo da tua insatisfação sem motivo certo desaparecerá no cenário da tua
vida.
A princípio, se não
souberes ainda com que encher essa meia hora, abre as páginas de um livro que
te fale à alma; lê vagarosamente, como que meditando, saboreando...
Mais tarde, já não terá
necessidade de pensamentos alheios para povoares dos anjos de Deus a tua
querida solidão de cada dia...
E então, em vez de seres
comido aos pedacinhos pelas exterioridades, deixar-te-ás “devorar”
gostosamente por alguma grande ideia, por algum sublime ideal,
que encherá com sua fecunda plenitude a tua estéril vacuidade de ontem...
E sentir-te-ás
profundamente feliz...
FONTE:
LIVRO O CAMINHO DA FELICIDADE
CURSO
DE FILOSOFIA DA VIDA
HUBERTO
ROHDEN
COLEÇÃO
A OBRA-PRIMA DE CADA AUTOR
EDITORA:
MARTIN CLARET