Águas de Santa Bárbara
a terra do vulcão
Integrante do seleto grupo de 11 municípios
paulistas considerados estâncias hidrominerais,
a cidade situada às margens do Rio Pardo,
a oeste da capital, é mais conhecida pelas
propriedades de suas águas. Pouca gente
sabe, porém, que é um vulcão, localizado
abaixo de seu solo, o responsável pelo
precioso líquido estar posicionado entre os
de melhor qualidade do mundo
Giselle Zambiazi
Salvador Martins tem sua moenda de caldo de cana instalada bem
na frente do posto de informações turísticas. Mas o pessoal da
Secretaria de Turismo sabe que não dá para concorrer com ele.
Há 28 anos Martins é o rei da praça central da cidade e, dali do
seu canto, uma esquina na parte alta atrás da igreja, ele vem
acompanhando, com o sorriso de sempre no rosto magro,
o passo vagaroso da cidade. Faltou alguma informação, não
precisa nem descer do carro. Martins está às ordens.
Tudo bem que ele é um pouco suspeito. “Para mim, aqu
i é o paraíso”, diz, sem titubear. Mas até que não dá para
tirar toda a razão dele.
Este é um local onde o elemento água predomina.
Desde o portal de entrada, ela está presente em
quase todos os lugares. Até construir uma casa
pode ser complicado por conta da presença de inúmeras
minas d’água existentes no solo. Ela jorra em todos os
pontos turísticos e está até no nome: Águas de Santa
Bárbara. Mas é o fogo que transforma esta pequena
cidade de cerca de 5 mil habitantes em um local único.
A pouco menos de 300 quilômetros a oeste da capital paulista,
em linha reta pela rodovia Castelo Branco, Águas de Santa
Bárbara dispõe de uma das melhores águas do mundo.
Como se não bastasse estar localizada bem no centro do
Aquífero Guarani – que por si só já oferece a 16ª melhor água
–, a cidade conta com um agente transformador importante:
um vulcão. Ao passar pela rocha porosa e pelas altas
temperaturas desse vulcão, o líquido mineral torna-se
altamente radioativo. É só abrir qualquer uma das torneira
s do balneário municipal e desfrutar quanto quiser.
Além de ser mineral, a radioatividade confere poderes
curativos a quem bebe e se banha com essa água.
Martins conta que, em 1975, uma alergia com bolhas
que coçavam muito apareceu por todo o seu corpo.
“Foi uma remessa de banho e fiquei curado”, lembra.
A remessa a que ele se refere são os 21 banhos
diários consecutivos recomendados como tratamento
para diversas doenças. Além de seu testemunho,
há uma imensa coleção de histórias de pessoas
que se curaram sem remédios, simplesmente se
tratando com essa água. “Aparecia muita gente que
não podia nem vestir a roupa e saía curado. Essa água
é muito especial”, afirma Martins. “Eu sempre tomo
meus banhos. Mesmo que não tenha problema algum,
o corpo sai leve.”
E sai mesmo. E o melhor é que o ambiente da cidade
colabora – e muito – com essa leveza pós-banho.
A começar pelo entorno do próprio balneário.
A vegetação sempre florida é entrecortada por e
normes espelhos d’água habitados por gansos,
garças, tartarugas e peixes. O caminho pontilhado
por aparelhos para ginástica ao ar livre é todo ladeado
pelo Rio Pardo e termina em uma pequena trilha com
calçadas, pedras, pequenas pontes e uma gruta.
O passeio em si é muito agradável. Por toda a margem
do rio há bancos que convidam à contemplação e
ao silêncio. Dependendo do clima e do dia, é possível
assistir de camarote às aventuras do pessoal do boia
cross, que desce o Rio Pardo em pneus de caminhão.
À direita da entrada da trilha, um pequeno lago com
água do aquífero é a diversão da garotada nos dias de
calor. Sem esquecer do parquinho, claro. A casa na
árvore tem um escorregador de cerca de oito metros de altura!
Aqui até os grandões se divertem.
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A igreja matriz, da década de 1940, é o único exemplar de arquitetura helvética do Brasil. É atrás dela que fica a moenda de cana de Salvador Martins, o sorridente anfitrião da cidade. |
As flores estão por toda parte. Além das orquídeas que
foram plantadas por integrantes da comunidade
japonesa residente na cidade, há dezenas de jardins
de maria-sem-vergonha que estão sempre floridos
O semeador de tantas cores é o casal Celso e Marilda
Franco. Eles não nasceram em Águas de Santa
Bárbara, mas amam a cidade e a adotaram como
recanto de felicidade. Moram em Avaré, que fica
próxima, mas todos os fins de semana estão em
Águas, como a chamam os velhos conhecidos.
Há 27 anos eles construíram o Hotel Chalés Gramado,
bem no centro. Sem luxo, mas confortável e acolhedor.
Celso é professor de geografia aposentado e estudioso
do tema água. Tanto que em 2005 lançou o livro Água:
Dádiva Preciosa, no qual faz um retrato da sua situação
no planeta, no Brasil e, claro, conta um pouco da história
e das propriedades medicinais do líquido da cidade que
adotou. Mas a obra não está à venda. O autor a distribui
por conta própria aos amigos e interessados no assunto.
Aos sábados, por volta das 17 horas, para encontrar
o casal Franco e desfrutar da conversa sempre amável,
é só andar pelas trilhas do balneário municipal.
Lá estarão eles: caixa de mudas debaixo do braço
e sementes nas mãos espalhando flores pelo caminho.
Começam lá do fundo, onde a mata é mais densa e
tem mais opções de mudas para colher, e vão seguindo
o Rio Pardo até a entrada do balneário, onde estão
os chafarizes, as pontes, as ilhas, a quadra de tênis e
Bem na frente da pista, no outro lado da rua, está o
mais novo e único café da cidade. O Tribo Brasil tem
sanduíches especiais, salgados, doces, cappuccino,
frapês, chás, sorvetes, café expresso e muitas outras
delícias. Todo café servido na casa é da marca italiana
Segafredo Zanetti, famosa na Europa e oferecida em
algumas cafeterias dos grandes centros no Brasil. É um
dos lugares mais agradáveis de Águas para o lanche da
t
arde. Se ele acontecer às 18 horas, será embalado ao
som da Ave-Maria que toca todos os dias nos
alto-falantes da torre da igreja matriz.
Ela fica pertinho, uma quadra rua acima, na praça
central, entre árvores, tucanos e maritacas.
Construída na década de 1940, é o único exemplar
da arquitetura helvética no Brasil. Trata-se de
um estilo de influência celta e suíça originado antes
de Cristo. O interior é repleto de obras de arte sacra.
No acervo estão exemplares da artista e restauradora
Para levar as lembrancinhas, duas opções: os
chocolates finos da Nina Bombons ou o artesanato
das lojas instaladas nos chalés. Tudo em frente à
igreja. Mais adiante, caminhando pela mesma calçada,
fica a Casa do Artesão, que reúne boa parte da produção
local e os típicos suvenires do tipo “estive aqui e lembrei de você”.
Existem ainda a quadra de futebol e a concha acústica
onde, algumas vezes por ano, são realizadas
apresentações gratuitas de orquestra. O maestro
Rubens Costa Luz Júnior toca – literalmente –
um projeto em que ensina música aos jovens e
às crianças da cidade. As aulas nã
o são pagas e o aluno pode levar o instrumento para
casa para estudar. Com um pouco de sorte,
é possível acompanhar os ensaios da garotada e
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Depois de um banho de imersão, um passeio entre flores e espelhos d’água ajuda a relaxar. Para quem prefere exercício , existem aparelhos de ginástica ao ar livre à beira do Rio Pardo. |
O VULCÃO DE ÁGUAS
Depois que a porta de vidro jateado se fecha, o mundo fica lá fora.
Os pensamentos submergem na água quente e radioativa. São
20 minutos de relaxamento e cura. Por apenas R$ 4 é possível
desfrutar de instantes mágicos. Esse é o preço do banho de imersão
, realizado em banheiras individuais e desinfetadas a cada
vez que são usadas. Mas o Balneário Municipal Mizael Marques
Sobrinho, instalado bem em cima do vulcão no centro da cidade,
oferece diversas outras opções de tratamento ou de relaxamento
em uma das melhores águas do mundo.
Para a maioria das doenças é recomendado que se faça uma
sequência ininterrupta de 21 dias de banhos de imersão
,
especialmente para doenças de pele. Para os casos de
moléstias graves e contagiosas, existe uma ala reservada,
separada das banheiras usadas pelo público em geral.
A água sai do vulcão a 21ºC, passa por caldeiras e chega
às banheiras com 47ºC. Os ofurôs, em alas abertas,
recebem água a 38ºC e são recomendados para quem
sofre de dores musculares. Nesse caso existe ainda um
outro componente que ajuda: o carvalho das tinas.
Outra opção são as duchas escocesas, com água a
45ºC. Esfoliação, relaxamento e melhora da circulação
do sangue são alguns dos resultados de uma sessão.
O balneário oferece também sauna úmida e seca.
A úmida tem temperatura a 80ºC. Além de relaxante,
também ajuda na circulação sanguínea, na desinfecção
e é recomendada para portadores de problemas como
asma e bronquite. A seca, a 60ºC, abre os poros e os brônquios,
ajudando no tratamento das vias aéreas. Para quem quer só
diversão, existe ainda uma piscina com água revitalizada por
aquecimento solar. Por estar em uma temperatura um pouco
mais fria, não chega a ter tanta radioatividade, mas ajuda a relaxar.
Do lado de fora do prédio há torneiras em que se pode pegar
água gratuitamente. É rotina entre os moradores da cidade e
da região parar o carro ali e encher os galões para levar
para casa. Essa água tem diversas indicações. Por ser rica em
sais minerais, pode ser usada no combate à obesidade, já que
ajuda a “matar a fome”. Outros males, como artrite, insônia
e edemas, também estão na lista das recomendações. Com
uma suave ação laxativa, a água ajuda a regularizar perturbações
do aparelho digestivo, do fígado e do intestino. É ainda utilizada
para eliminar o ácido úrico, ajudando a desintoxicar o organismo.
CURAS MILAGROSAS
Escravos, burros e cavalos. Foram eles os descobridores dos benefícios
do que, há 140 anos, era chamada de água milagrosa. Eles chegaram
com três famílias pioneiras, vindas de Minas Gerais, em busca de novas
terras. Encantados com as belezas às margens do Rio Pardo, os
migrantes resolveram ficar por ali mesmo. Pouco tempo depois,
os negros descobriram que as feridas causadas pelas surras ou pelo
trabalho cicatrizavam mais rapidamente quando eles se banhavam
em um certo poço quente. Os animais também passaram a ser
lavados e os resultados eram ótimos.
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Celso e Marilda Franco dedicam algumas horas todas as semanas para plantar flores no balneário, onde estão as opções de banhos medicinais.
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A partir disso, a fama do tal poço não parou mais de correr. Os mais
velhos contam que era comum encontrar bengalas e muletas
deixadas no local por pessoas que se curaram de doenças como
r
eumatismo. Nos arquivos do próprio balneário constam dezenas
de relatos desse tipo. Mas a história que até hoje repercute é a do
conde Francisco Matarazzo. Depois de se consultar em clínicas dos
Estados Unidos e da Europa para tratar uma doença de pele que
parecia incurável, o empresário italiano foi visitar um médico em
Stuttgart, na Alemanha. Foi lá que ele ouviu: “Mas o senhor não
mora no Brasil? O melhor tratamento que posso lhe recomendar
está em uma cidade chamada Águas de Santa Bárbara!” E, de fato,
foi o melhor. Aqui, e só aqui, ele conseguiu se curar.
Em 1926, o bispo de Botucatu, cuja diocese possuía as terras do
entorno do poço quente, vendeu a área ao engenheiro paulistano
Constantino Mosca. Assim que pôde, ele levou para São Paulo
uma amostra da água, que foi analisada por vários especialistas.
Um deles teria exclamado: “Mas essa é a melhor água do mundo!”
– daí a fama de que Águas de Santa Bárbara teria a água número 1
do planeta. Nessa época, o engenheiro mandou erguer a casa de
madeira que foi o primeiro balneário do lugar. Cerca de 20 anos
depois, o governo do Estado adquiriu o patrimônio e, em 1998, a prefeitura
da cidade assumiu a administração de todo o balneário.
Prós e contras O folder distribuído pela prefeitura da cidade indica a água – seja por inalação, seja por banhos ou ingestão – para o tratamento de quase 30 doenças. Embora ela possa ser usada para muito mais, ainda faltam estudos mais aprofundados a respeito de tudo o que ela pode oferecer. Os sais presentes nessa água, aliados à radioatividade, entram em contato com as células do corpo – especialmente pele e sangue – e, assim, estimulam a cura de dentro para fora do organismo. De pH neutro, é ideal para os tratamentos que exigem ingestão. Entre as doenças mais comumente tratadas com essa água estão problemas nos rins, no fígado, intestino e estômago, distúrbios respiratórios, gota, eczemas, psoríase, diarreias, disenterias, gastrites, úlceras, urticária, obesidade, litíase, reumatismo, hipertensão, insônia, apendicite e edemas. Ela também ajuda na convalescença. Pela ação radioativa, a água não é recomendada para quem tem câncer, problemas na glândula tireoide, tuberculose pulmonar, anemias graves, está na fase febril de doenças infecciosas ou passou por cirurgia no coração. |
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