ARTES DO SENTIR, ARTES DO DIZER



 

ARTES DO SENTIR, ARTES DO DIZER

Mailsa Carla Pinto Passos
Rita Marisa Ribeis Pereira

Em seu livro Estórias Abensonhadas, Mia Couto conta-nos a instigante história de Estrelinho, um cego que não fazia cerimônias no viver, e de seu amigo Gigito, guia para a caminhada e para a imaginação. Ocorre que para dar conta da curiosidade de Estrelinho, para quem o sempre era pouco e o tudo insuficiente, Gigito passou a descrever até mesmo o que não havia, minuciando fantasias e rendilhados. Juntos, os dois desafiavam São Tomé: enquanto Gigito via para não crer, Estrelinho cria porque não via. E assim, seguiam seus dias, percebendo o mundo e fabulando indagações.

Um dia, porém, o serviço militar levou Gigito para a guerra. Mas para que o cego não ficasse sozinhando por aí, Gigito recomendara a sua irmã que a partir de então lhe servisse de guia. Infelizmina, entretanto, diferentemente do irmão, guiava com discrição e silêncios. Descrevia os tintins da paisagem com senso e realidade, porque não tinha nenhuma sabedoria de inventar. Foi como se Estrelinho perdesse pela segunda vez a visão.

Mas nesse mundo em que as percas e os achados se misturam, Estrelinho e Infelizmina foram  descobrindo-se um ao outro. E não por acaso sua primeira experiência de amor enlaçou-se com a triste notícia da morte de Gigito. Tendo-a pressentido em sonhos, Estrelinho serenou-se reagindo sem choque, enquanto Infelizmina, órfã de irmão, só tristonhava, sem competência para reviver.

Foi então que Estrelinho achegou-se a ela e a conduziu para a varanda da casa, decidido a lhe mostrar o mundo iluminado que Gigito lhe apresentara. Passou a descrever o mundo, indo além dos vários firmamentos até que um sorriso se despontou: a menina se sarava da alma. Tinha sido em tais paisagens que ela dormira antes de ter nascido. Olhava aquele homem e pensava: ele esteve em meus braços antes da minha atual vida. E quando já havia se desvencilhado da tristeza ela lhe arriscou de perguntar: “ Isso tudo, Estrelinho? Isso tudo existe aonde?” E o cego, em decisão de passo e estrada, lhe respondeu: “ Venha, eu vou-lhe mostrar o caminho!”


FONTE: LIVRO EDUCAÇÃO EXPERIÊNCIA ESTÉTICA
ORGANIZADORAS MAILSA CARLA PINTO PASSOS
RITA MARISA RIBES PEREIRA
NAU EDITORA


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